NEM Memória: Homenagem ao Dr. Ricardo Dornelles

CASA DE MEDIAÇÃO: DO SONHO À REALIDADE

Por Genacéia da Silva Alberton
Coordenadora do NEM 

O meu encontro com a Mediação ocorreu por conta de tese doutoral na UNISINOS, onde tive como orientador o Procurador do Estado Dr. José Luiz Bolzan de Morais, que me fez insistentes convites para participar do Núcleo de Estudos de Mediação da Escola Superior da Magistratura da Associação dos Juízes do Estado do Rio Grande do Sul, organizado e coordenado por ele. Desse Núcleo, criado em 2002, participava o Dr. Ricardo Dornelles. Aderi ao NEM em 2004. Naquela época estudávamos uma contribuição do Núcleo ao Projeto de Lei n. 4827/1998 da então Deputada Zulaiê Cobra. O Dr. Ricardo, que já atuava como mediador com a também integrante do Núcleo  Rosemari  Seewald, compartilhava  conosco o seu sonho de  uma Casa de Mediação junto à seccional  da  OAB/RS. A resistência do Judiciário a pensar sobre o assunto era muito grande e, por isso, com ele eu também falava  sobre a minha esperança  de  ver a mediação no Judiciário, com atuação de mediadores judiciais capacitados que pudessem dar espaço de efetiva voz e vez às partes, ficando a sentença do juiz apenas para as questões complexas ou que, pela natureza, não se amoldassem a um método autocompositivo. 


Os anos passaram, o Núcleo foi ocupando o espaço social como o primeiro Núcleo a desenvolver, em 2007, um  projeto piloto de Mediação Comunitária, na Lomba do Pinheiro, no CPCA (Centro de Promoção da Criança e do Adolescente), que tinha como coordenador o Frei. Luciano Bruxel. A iniciativa pioneira rendeu um olhar de atenção da Secretaria de Reforma do Judiciário e do Tribunal de Justiça à questão mediação no Judiciário gaúcho.  Foi um trabalho de abordagem de conflitos sociais visando à prevenção da violência, com restabelecimento de respeito à pessoa, promoção de diálogo e valorização da cidadania.


A Casa da Mediação se tornou realidade e o Dr. Ricardo se viu na contingência de continuar sua caminhada. Porém, o Núcleo de Estudos de Mediação se sente honrado em colocar o Dr. Ricardo Dornelles no NEM MEMÓRIA, que significa o reconhecimento do Núcleo à atuação efetiva da advocacia, representada pelo Dr. Ricardo Dornelles, na contribuição da cidadania e da mediação no Rio Grande do Sul. Não se pode segurar o passar implacável do tempo, mas ele permite vermos sonhos se tornarem realidade e isso, na Casa de Mediação, somente se fez possível pela capacidade, liderança e confiança do Dr. Ricardo Dornelles.  

Ao Dr. Ricardo Dornelles, as homenagens do NEM.
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Com a palavra, Dr. Ricardo Dornelles*


O início do NEM e o projeto de mediação comunitária 

Dentro do núcleo nós tínhamos um grupo de estudos que debatia sobre a Lei de mediação (da Zulaie Cobra). Nós tínhamos um pequeno grupo coordenado pelo Bolzan que era formado por juízes, advogados, psicólogos e assistentes sociais. Havia uma discussão se o lugar adequado para fazer mediação é dentro do judiciário ou não. Nesta época que eu sugeri o projeto da mediação comunitária. Nós fizemos os trabalhos da mediação em si e formação dos mediadores das comunidades. 

Casa de Mediação da OAB/RS

Em 2003 eu tinha um escritório com um colega advogado comunitário. Ele era casado com uma advogada e assistente social que trabalhava com um projeto dentro do judiciário de justiça restaurativa. Achei muito interessante! Ela trouxe o Dominic Barter para trabalhar com comunicação não-violenta. Eu convidei colegas e comecei a fazer os cursos. Junto com o Dominic montamos um curso para mediadores dentro do Núcleo da Ajuris (ninguém sabia o que era). Na época estava tendo um Congresso da Unesco apresentando projetos de mediação de toda América Latina. Em um desses projetos tinha mediação entre pares com crianças do Chile e da Argentina que usavam comunicação não-violenta. De 2004 até 2010 eu fiquei vinculado à mediação e à justiça restaurativa. Depois desta experiência e de muito estudo eu apresentei o projeto da Casa de Mediação, um projeto com foco em mediação comunitária. Eu conheci o modelo da Casa de Mediação na França, li o livro e pensei: “isso aqui nós temos que criar dentro da OAB!”. A OAB RS foi a primeira OAB do Brasil com um projeto focado em mediação e práticas restaurativas. Tive muitas dificuldades, uma delas foi com a morte da Rose que era minha parceira. Além disso, o trabalho com a OAB é voluntário. Nós não temos um salário no final do mês e não temos ajudas econômicas para fazer esse trabalho. As pessoas abrem mão de várias horas da sua vida para se dedicar à OAB. Muitas pessoas começam, poucos continuam, outros largam porque têm certas dificuldades, acham que vai ter retorno do dia para a noite. É um aprendizado enorme. A Casa de Mediação tem um caráter comunitário extrajudicial dentro de uma instituição com credibilidade no Brasil que é a OAB. Eu sugeri este projeto lá na Ajuris. A Desembargadora Genaceia gostou muito e levou para o Presidente do Tribunal, que na época era o Desembargador Arminio José Abreu Lima da Rosa. Ele disse: “é a primeira vez que a comunidade vem ao Tribunal de Justiça”. Era exatamente isso: o judiciário apresentando uma visão de comunidade".

Primeiras mediações da Casa

Começamos em final de 2011. As primeiras mediações só eu fiz. Eu queria testar primeiro como é que ia funcionar. Eu fiz uma mediação entre professores que foi muito interessante. E depois fiz mais um caso que era de família. Eu queria ver como eram as dificuldades da prática. Uma coisa é a concepção do projeto, a outra coisa é a implementação dele. 

Mediação e mercado de trabalho

Enquanto OAB, nossa visão, tanto visão estadual como nacional, é  trabalharmos, fortemente, para os advogados assumirem a mediação extrajudicial, assumirem o mercado de trabalho, e não o aspecto do Judiciário. A mediação judicial tem o seu caminho, tem seus procedimentos, a condição para poder remunerar seus mediadores. Na mediação extrajudicial os próprios advogados podem assumir esse papel como uma profissão ou criar, como já estão fazendo, centros de mediação nos escritórios. Já estão começando a criar instituições, espaços nas entidades de classe e já estão começando a construir espaços para trabalhar. Hoje no Brasil quem vive de mediação são muito poucos. Claro que tem toda uma caminhada do Judiciário e da criação de uma cultura. Aí entra, exatamente, a importância da figura do advogado. É pelo advogado que passa o futuro da mediação. Porque quem é chamado para dar o parecer, seja empresa, família, o que for, é o advogado. Então ele tem que saber, isso aqui funciona assim, tem isso e isso, vamos fazer tal coisa, isso aqui não dá. 

Participação do advogado na sessão de mediação

Eu acho fundamental. Tive muita experiência no Judiciário, na comunidade, e aqui na Casa de Mediação. Os ambientes são diferentes, e isso interfere também no papel do mediador e no contexto todo. Hoje o advogado já tem mais conhecimento do que é a mediação. Claro que ainda é cultural, mas as entidades estão falando nisso, a lei está aí. Nesse último ano, em particular, o acesso a palestras na área da mediação e eventos que nós tivemos aqui, principalmente nas OABs do interior e outros lugares do Brasil, é impressionante. Muitos advogados querendo saber sobre a mediação, para que serve, como eu faço, que mercado de trabalho tem, qual é a vantagem, que limites tem. Isso é mercado de trabalho, isso é uma visão de futuro presente. O advogado tem que se preparar para isso, para poder atuar no dia a dia. É método. É resultado que tu tens que ter, prático do mercado. Claro que os questionamentos são vários. Tem aqueles que não querem, mas tem muitos colegas que tem uma postura colaborativa.

Bate-papo com as integrantes do NEM, Clarissa Ribeiro, Isabel Moura e Mariana Fernandes