NEM Memória: Marilene Marodin, pioneirismo e referência na área da mediação

O NEM Memória tem o objetivo de reconhecer o trabalho de pessoas que colaboraram para o desenvolvimento do Núcleo de Estudos de Mediação, assim como para o desenvolvimento da Mediação no Estado do Rio Grande do Sul.
Nesta edição, a homenageada é a Psicóloga, Mediadora de Conflitos e integrante do NEM, Marilene Marodin.
Marilene é Presidente do Instituto Nacional de Mediação e Arbitragem (INAMA/RS) e Superintendente Regional do CONIMA. Profissional renomada, a Psicóloga atua como Professora convidada ministrando cursos de Mediação de Conflitos em todo o pais. Além disso, é coautora com John Haynes do livro Fundamentos da Mediação Familiar e colaboradora no livro Aspectos psicológicos na prática jurídica de Zimmerman e Mathias Coltro. Uma das pioneiras na utilização da técnica em nosso país, Marilene atua desde 1993 como mediadora na Clínica de Psicoterapia e Instituto de Mediação (CLIP), instituição que fundou ao lado de Suzana Notti em 1983.

Esta homenagem conta com um belo depoimento da Coordenadora do NEM, Desembargadora Genaceia Alberton, bem como uma enriquecedora entrevista realizada pelas colegas Isabel Moura e Mariana Corrêa Fernandes, na qual Marilene compartilha conosco suas compreensões e reflexões acerca da mediação e dos mediadores.


Importância da CLIP para o desenvolvimento da Mediação 

Para o NEM Marilene Marodin mais do que uma integrante do Núcleo, é a Psicóloga diretora da CLIP - Clínica de Psicoterapia e Instituto de Mediação, fundada em 1983. Referência na área de ensino em matéria de assistência psicoterápica, especialmente na área de família, e na mediação, Marodin é a figura serena, acolhedora, que compartilha seus conhecimentos pela ação. A experiência na área de Mediação anterior à própria criação do NEM, coloca a importância de sua inclusão no NEM MEMÓRIA. Querida e admirada por jovens e veteranos em mediação, Marodin transita, contribuindo de forma inestimável para o fortalecimento da mediação de conflitos no Rio Grande do Sul. A ti, Marilene Marodin, as homenagens e o reconhecimento do NEM.

Genacéia da Silva Alberton 
Coordenadora do NEM 

Com a palavra, Marilene Marodin

Marilene, ao centro
ATUAÇÃO
Atuo como mediadora em instituição privada, na Clinica de Psicoterapia e Instituto de Mediação, desde 1993, onde exerço função de mediadora principalmente em situações de divórcio, como também atuo coordenando e supervisionando Cursos de Mediação de Conflitos, nesta instituição e em outros Estados brasileiros, no âmbito educacional e judicial, há aproximadamente 20 anos.

SOBRE O PAPEL DO MEDIADOR
Sendo a mediação uma forma autocompositiva ou autônoma, onde as próprias pessoas em conflito constroem as soluções, cabe ao mediador estimula-las auxiliando o restabelecimento do diálogo visando resolver suas disputas. O mediador abre um espaço de escuta mútua para as pessoas conversarem sendo especialmente indicada em situações em que há relacionamentos continuados entre os envolvidos, seja familiar, profissional ou social. Espera-se que o mediador auxilie os mediandos no exercício da voluntariedade, da autonomia da vontade e do protagonismo, para assumirem a condução de suas vidas e se tornarem os principais atores da situação em que estão inseridos. Como nos diz John Haynes, o mediador é um administrador do procedimento e os mediandos são os protagonistas do que vai sendo construído, com consequente comprometimento pelas decisões tomadas, que não ficam sob a responsabilidade do mediador. Para ocorrer esta dinâmica é necessário que o mediador se desprenda de um papel de poder e de saber, acreditando que são as pessoas que têm os recursos necessários para lidar com suas situações.Agindo desta maneira passa o mediador a ter um papel de cunho preventivo e pedagógico tornando-se um agente de saúde e construtor da paz social.

ESCOLHENDO AS FERRAMENTAS
Acredito que a  conduta do mediador é decorrente da situação, não havendo um conjunto de técnicas ou  estratégias tipo “receita”.  As técnicas e as  estratégias serão definidas de acordo com a natureza das questões, da especificidade dos conflitos e da etapa do procedimento de mediação. Também será determinante a escola que o mediador segue devido às  diferenças entre os  modelos.  
Assim, as técnicas utilizadas durante as sessões poderão depender da etapa do procedimento da mediação, que resumidamente, podemos dividir em três grandes momentos: pré-mediação, mediação propriamente dita ou negociação assistida e fase final. Cada uma destas etapas necessita ser entendida em seu objetivo e as técnicas que o mediador lançará mão visam alcançar este objetivo. Na etapa da pré-mediação é fundamental construir um vinculo de respeito com os mediandos, com um “rapport” efetivo, criando um acolhimento de confiança com o procedimento que está sendo proposto. Nesta hora a escuta ativa e empática do mediador é fundamental para verificar as possibilidades dos mediandos de exercerem sua livre escolha do procedimento, após serem informados dos aspectos a que se propõe a mediação,  assim como definir como vai ser encaminhada a administração da situação. Já na etapa da mediação propriamente dita é aconselhável o mediador lançar mão das técnicas de negociação propostas pela escola de Harvard para que os mediandos assumam a negociação, assistindo-os na identificação de suas posições e interesses e, assessorando para que construam as opções possíveis e finalizem o trabalho de modo satisfatório. Na etapa final da mediação as técnicas utilizadas serão direcionadas para que os mediandos sintam que foram os construtores das decisões e se responsabilizem por cumpri-las, fazendo parte deste momento, caso seja indicado, a redação e assinatura do Termo de Entendimento com o devido encaminhamento. Outro aspecto que influi em relação à utilização das técnicas tem a ver com as questões que estão sendo trazidas à mediação e do contexto que será construído a partir destes temas. As técnicas vão diferir, por exemplo, se a busca da mediação refere-se a uma questão de guarda  ou se é uma mediação entre um adolescente que praticou ato infracional e a vítima. Para concluir, temos técnicas que vão  ser indicadas para todas as mediações,  por serem genéricas, como define John Haynes ao se referir a normalização, ao resumo, a mutualidade e a visão voltada ao futuro, no entanto,  para alguns contextos específicos  é necessário particularizar a seleção das técnicas a serem utilizadas.

Marilene palestrando na OAB/RS:
"Contribuição do Advogado na Mediação"
Foto: Cristielle Valle


CARACTERÍSTICAS PESSOAIS E DESENVOLVIMENTO DE HABILIDADES
Para cumprir com sua função, o Mediador necessita não só uma formação profissional específica que lhe instrumentará, como também deve possuir algumas características pessoais próprias. A junção destes dois fatores será responsável pelas intervenções que fará no transcorrer do processo de mediação, intervenções estas que irão, juntamente com as respostas dos participantes, “co-construir” o desenrolar do processo. Restringirei minha reflexão a algumas questões pessoais que são, em meu entender, norteadoras do profissional mediador, seja ele advindo de qualquer área de formação anterior, como Direito, Psicologia, Administração ou outras. Dentre  as características que considero fundamentais ao mediador, destaco a sensibilidade, pois é a partir do sentir e do compreender que o mediador, sem tomar partido, formulará estratégias para entendimento dos interesses e das necessidades envolvidas.  Outra característica essencial ao mediador é sua capacidade de comunicação, habilidade que pode ser desenvolvida, assim como de  escuta ativa com atenção e respeito dos principais atores do procedimento. As intervenções do mediador serão em  um estilo cooperativo para tornar viável o diálogo buscando solucionar conflitos de modo amistoso, em que todos os envolvidos sejam beneficiados.  O mediador que consegue  utilizar da criatividade  através de metáforas, comparações e bom humor torna o ambiente menos estressado e, portanto, mais propício à mediação. É também importante a capacidade de manter sigilo das informações pessoais dos mediandos, que foram relatadas  ao longo do processo de  mediação,  e para isto o mediador deve desenvolver a capacidade de continência das ansiedades e respeito  do que escuta. Porém, acredito que a principal característica do mediador encontra-se  na sua atitude e equilíbrio emocional e mental, com destaque especial ao seu autoconhecimento que será a ferramenta que o guiará. Manter-se atento as próprias vivências e as repercussões que o atendimento pode fazer ecoar em seu próprio self , com clareza dos  impactos que as mesmas lhe provocam, lhe permitirá optar por intervenções mais neutrais e equidistantes, diferenciando entre a realidade dos protagonistas da situação e as suas próprias experiências.  No Curso de Mediação de Conflitos, que desenvolvemos anualmente no Instituto de Mediação da CLIP, enfocamos nas supervisões da prática o trabalho do self do mediador assim como seus sentimentos contratransferências visando a capacitação na administração das emoções e consequentemente preparando o aluno para uma intervenção mais efetiva. Trabalhamos também sua  sensibilidade e sua capacidade de comunicação, tanto no que se refere a escuta ativa como também a conscientização da repercussão de  sua fala pois estas, juntamente com as respostas dos participantes, irão “co-construir” o desenrolar do procedimento. Outro ponto de relevância nestes momentos da supervisão da prática é direcionado a relação que se estabelece entre colegas, no exercício da comediação, já que cremos ser este relacionamento um espelho fornecido aos mediandos de conduta de respeito e colaboração.

NEUTRALIDADE E AUTODETERMINAÇÃO
Acredito que o mediador deve manter a equidistância para clarificar questões, conduzindo o processo de mediação dentro de conduta moral e ética e tenho me empenhado para ficar em uma “neutralidade possível”, como refere Sara Cobb. Creio que o fundamental, para não nos colocarmos em uma posição de poder e de saber mais da vida das pessoas do que elas mesmas, passa por um exercício de abdicar da onipotência do conhecimento e do julgamento. E esta é uma tarefa que tenho buscado praticar ao olhar as pessoas em minha frente como detentoras do poder das decisões das vidas delas. Também acredito que quando o mediador já passou por situações similares as que estão sendo trazidas pelos mediandos, e dedicou um espaço de pensar e refletir sobre elas, principalmente trabalhando seu self, seja em terapia ou em supervisão, tem uma facilidade maior de entendimento e suas intervenções mediadoras poderão ser mais neutras. Como tenho vários anos de idade cronológica, de análise individual e de prática em mediação me vejo podendo manter uma distancia satisfatória entre o que é meu e o que é do outro, em um clima de respeito à individualidade. E, quando tenho alguma incerteza tenho lançado mão de buscar um espaço de debates com meus pares ou , inclusive, convidando-os para participar em comediação.

O Defensor Público do Estado do Rio Grande do Sul, Nilton Leonel Arnecke Maria,  Marilene Marodin,, o  consultor do Instituto Innovare,  Renato Almeida Belloli, Herta Grossi e Leila Luz,  participantes do projeto de parceria entre a CLIP e a DPE.
CONFLITO, CULTURA E FORMAS DE TRATAMENTO
Na minha visão o conflito é resultado das pessoas não saberem como resolver um problema e não que não queiram resolvê-lo, como refere John Haynes. Por desconhecerem modos colaborativos de encaminhar as diferenças optam inúmeras vezes, pelo caminho da judicialização, apoiado na cultura do litígio ou cultura da sentença que existe em nossa sociedade.  Acredito que quase todas as pessoas querem chegar a um acordo e é com este olhar que me coloco frente a quem me procura. Algumas vezes encontro pessoas que não desejam buscar a resolução das disputas utilizando a mediação com a crença que obterão ganhos melhores por outros meios e elas precisam ser respeitadas nesta sua decisão. Confio que possa emergir o positivo de cada pessoa, numa postura sem preconceitos e pré-julgamentos, não dando realce a conduta negativa que os clientes apresentam inicialmente nas negociações. Quando, na Mediação buscamos o que há de melhor nos mediandos, trilhamos um caminho da valorização de suas virtudes e encaminhamos o encontro entre as pessoas,  que vão abrindo janelas de possibilidades de construções conjuntas.

"VIVER NA E PARA A MEDIAÇÃO"
Tenho recebido inúmeros depoimentos de alunos dos nossos cursos de capacitação em mediação de conflitos que ressaltam como o caminhar na aquisição do saber em mediação de conflitos desencadeia, ao mesmo tempo, uma transformação pessoal que muda as relações e o modo de conviver com o outro. Ninguém que conhece as propostas da mediação passa incólume por elas, pois a mediação torna-se um “vicio” na vida de quem a conhece. Estou há 22 anos convivendo com as propostas e “vivendo” na e para a mediação e, certamente, estas já entraram em minha vida pessoal e profissional. Como venho de uma formação em ciências humanas e trabalho há muitos anos como terapeuta individual, de casal e de famílias, algumas características nesta formação me auxiliaram na prática da mediação. Destaco a escuta ativa, a postura não julgadora e a capacidade de empatia que desenvolvi enquanto psicoterapeuta que foram exercitadas enquanto mediadora e se sedimentaram em minha vida. Minha formação na prática narrativa de Michael White encaminhou meu olhar ao lado saudável das pessoas e na importância do perguntar, e identifico que trabalhar em contextos de mediação me possibilitou um aperfeiçoamento nestas habilidades e a me deter mais nas alternativas de soluções do que nas causas dos conflitos. Identifico que isto ocorreu inclusive em problemas vividos em minha vida pessoal onde me tornei mais compreensiva e com maior compaixão, sem ficar remoendo os ressentimentos.

Marilene Marodin, Lisiane Kalil e Stella Breitman
 Aula inaugural do projeto de formação de agentes de Mediação Comunitária, desenvolvido pelo NEM em parceria com a Secretaria da Reforma do Judiciário e o Tribunal de Justiça do RS
PRÁTICAS AUTOCOMPOSITIVAS E SEU PAPEL NA SOCIEDADE 
Comungo com o  filósofo espanhol Fernando Savater,  pensador dos campos da ética e da educação, que em suas reflexões destaca o papel dos cidadãos democratas e da educação para a cidadania, como uma preocupação primordial da sociedade. Para ele a educação forma pessoas completas, capazes de utilizar a democracia de uma maneira crítica e positiva e o cidadão democrata é uma obra de arte social. Refere que a democracia educa as pessoas de uma maneira aberta, para a vida numa sociedade democrática e a partir daí cada um vai escolher o seu caminho e a sua possibilidade. Por este motivo o destino da democracia está intimamente ligado ao destino da educação onde a verdadeira transformação passa pela educação no respeito às pessoas. Em sua visão temos de nos acostumar a distinguir a forma de respeitar as opiniões através do diálogo, destacando, no ensino da ética, a generosidade para conviver como uma virtude essencial, pois viver com outros exige, de alguma maneira, ceder, e precisamos limitar nossos desejos no choque com os demais. Estas reflexões de Savater expressam meu pensamento em relação a utilização de práticas autocompositivas onde estas intervenções adquirem  um status educativo, para a democracia e para a capacitação do cidadão. Tem então a mediação um papel preventivo e pedagógico, tornando-se  uma intervenção de promoção  de saúde e construtora da paz social. E, na minha experiência, quanto mais cedo pudermos trabalhar com as pessoas, neste contexto de respeito, de criação de dialogo e de generosidade para com o outro, maior inserção teremos no social, educando para a cidadania e para a formação ética dos cidadãos. Em relação à diminuição das ações judiciais vejo como uma possibilidade de ocorrer mais em decorrência da transformação paradigmática na modalidade de administrar as disputas. Não considero a diminuição de ações judiciais como o objetivo primordial da utilização de práticas autocompositivas. Acredito que devemos ter uma visão mais abrangente, olhando a sociedade como um todo e não somente uma parte deste contexto. Vamos nos desatrelar de verdades únicas, e compreender sistemicamente a complexidade do mundo atual e de como uma mudança em um elemento repercute de tal modo que transforma muitos outros. Considero as intervenções mediadoras extremamente maiores do que a diminuição de ações judiciais, com reflexos indo além do que uma ação judicial se propõe, pois atuam num campo em que prepondera a reciprocidade, o respeito mútuo, o diálogo e a construção conjunta e somente sendo viável através do encontro com o outro.