Psicólogo, psicanalista. Mediador judicial e privado, instrutor e supervisor de mediadores judiciais pelo TJRS. Mediador certificado pelo ICFML – Instituto de Certificação e Formação de Mediadores Lusófonos. Membro do Núcleo de Estudos em Mediação da Escola Superior da Magistratura (AJURIS/RS). Membro do EMPATHOS – Instituto de Parentalidade e Mediação. Presidente da Sociedade de Psicologia do RS (2011-2013).
Em algum momento de sua prática profissional, todo o mediador acaba se deparando com situações onde sua atitude e condução foram determinantes para o procedimento. Ou ele foi protagonista demais ou precisava ser mais ativo, ou se identificou com a experiência dos mediandos ou foi frio e distante, ou intuiu possibilidades ou foi flexível com o procedimento. Aos poucos vai ficando claro o quanto o autoconhecimento afeta a qualidade e a eficácia do trabalho desenvolvido e questionamentos vão surgindo: Quais as possibilidades de autoconhecimento do mediador de conflitos? Como identificar os limites desta busca? De que modo é possível reconhecer e trabalhar com nossos “pontos cegos”?
Conhecendo a si mesmo
A maior
parte das pessoas não faz ideia de quem sejam. Têm uma ideia acima
ou abaixo do que realmente são. O
profissional que trabalha com conflitos é responsável por criar um
ambiente de lucidez e entendimento entre as pessoas e precisa
conhecer os seus próprios limites, sob pena de comprometer a própria
relação com a qual irá trabalhar. Quando o mediador ignora os
atributos próprios do seres humanos (como as emoções,
resistências, as tendências internas e as preferências) corre o
risco de contrariar os próprios princípios da mediação, como a
independência, a imparcialidade,
a autonomia da vontade e a neutralidade,
distanciando-se das condições necessárias para ser um facilitador
do diálogo.
Para
auxiliar nesta construção, abaixo indico algumas condições
necessárias para ser mediador:
-
Formação contínua: desenvolvimento pessoal, aprofundamento teórico, técnico e supervisão;
-
Pessoa real do mediador: humano que comete erros;
-
Visão das diferentes partes dos conflitos (internos e externos);
-
Novos vértices de observação - visão binocular;
-
Respeito: enxergar a pessoa sem rótulos e preconceitos;
-
Terceiridade: terceiro que consegue pensar dentro e fora do conflito;
-
Empatia: entrar dentro da experiência subjetiva do outro;
-
Capacidade negativa: conter as angústias decorrentes do seu não saber;
-
Intuição: olhar com um terceiro olho, com uma visão para dentro do sujeito;
-
Ser verdadeiro.
Ilusões
sobre o autoconhecimento
A
Frase “eu
que sei de mim”
demonstra um ódio ao inconsciente, pois o autoconhecimento não pode
ser atingido sem a interação com o outro. Sei de mim através do
outro, pela interação com outro. Nossa identidade é constituída a
partir dos traços do outro. Existe uma construção Ilusória de
unidade. O eu
é uma miragem, pois há uma divisão entre o que eu penso e o que o
outro me mostra que eu penso. Neste sentido, o autoconhecimento é
heteroconhecimento.
Um
exemplo sobre esta questão é a famosa frase: "Tanto
imitei Elvis Presley que me tornei John Lennon".
Se observarmos com atenção esta fala, salta aos olhos o quanto o
líder do Beatles
se
serve da identificação para construir o próprio eu. Enquanto ele
apenas imita Elvis está alienado. Ao separar-se do cantor, mantendo
uma identificação com ele, sua identidade se constitui.
A
incomunicação é a regra e é comum usarmos a etiqueta
da conversa nas
nossas relações cotidianas. A lógica deste modelo funciona assim:
“eu
não te ouço e você não me ouve”.
Há um pacto de silêncio onde tudo que não encaixa na intenção é
recordado e jogado fora. Uma vez que eu identifico o que você quer
dizer, qualquer coisa que não se encaixe neste discurso eu faço de
conta que não ouvi. Entramos e saímos das conversas sem nenhuma
mudança. O impasse se dá quando esta forma de diálogo invade a
mediação. O desafio é estabelecermos uma ética
da fala
- impossível acontecer no cotidiano.
Autoconhecimento
e processo de mudança
Uma
das maneiras de se autoconhecer e caminhar na direção da mudança é
tomar conhecimento dos desejos inconscientes.
Investigar
os próprios sonhos, com interesse e persistência, favorece esta
caminhada existencial, pois o mundo onírico é precioso em revelar
verdades difíceis de aceitar.
É
preciso exercitar o fortalecimento da razão, sem ignorar os
processos mentais inconscientes. Atravessar a frustração, sem fugir
dela, pode servir de bússola neste caminho. Para isto, deve-se
vencer a preguiça e ser humilde nesta busca.
O
autojulgamento deve gradativamente abrir espaço ao autoconhecimento.
As técnicas usadas para ouvir e dialogar com os outros pode ser
usada para estabelecer um diálogo interno, além de exercitar ver a
si mesmo a partir do camarote, buscando um distanciamento emocional e
cognitivo. A autoempatia é fundamental. Uma pergunta interna pode
auxiliar na descoberta de seus verdadeiros interesses e necessidades:
por que eu quero isto? Ou ainda: a serviço do quê eu desejo isto?
Passar da culpa à responsabilidade favorece o autoconhecimento, pois
a responsabilização é diferente das autoacusações – estas
últimas tendem a buscar autopunições, não soluções para os
problemas. Da hostilidade deve-se caminhar gradualmente em direção
à cordialidade. Manter-se no presente e aceitar a si mesmo e aos
outros como seres humanos não perfeitos é fundamental.
A maneira
com fomos ensinados a nos avaliar frequentemente traz mais ódio por
nós mesmos do que aprendizado. Sempre que nos percebermos reagindo
com recriminação a algo que fizemos podemos nos questionar: qual
necessidade não foi atendida e está sendo expressa por meio deste
julgamento moral? Este processo provoca um luto necessário que nos
ajuda-nos a entrar em conexão plena com as necessidades
insatisfeitas e com os sentimentos que são gerados quando fomos
menos que perfeitos. É uma experiência de arrependimento que nos
ajuda a aprender com o que fizemos. É preciso atravessar este
luto até chegar ao perdão. Recomenda-se a autocompaixão – a
capacidade de ter empatia por ambas as partes de nós mesmos: a parte
que se arrepende de uma ação passada e a parte que executou aquela
ação.
Considerações
finais
As ideias
apresentadas apontam para a construção de um diálogo interno do
mediador, onde o mesmo se responsabiliza pelas suas ações, evitando
acusações ou julgamentos morais. Investimentos em desenvolvimento
pessoal ou uma psicoterapia favorecem o autoconhecimento e são
bem-vindos. Podem ajudar a minimizar inúmeras situações
constrangedoras e de atrapalhação por parte do mediador.
O desejo do
outro nos afasta de nosso próprio desejo. Quanto mais fizermos as
coisas porque queremos, mais propósito encontraremos em nossas ações
e na nossa vida.
Autoconhecer-se
exige tempo e energia psíquica. É um trabalho que não termina,
pois está em constante desenvolvimento. O mediador que não se
conhece, cedo ou tarde será desafiado e poderá contaminar a
mediação e sua relação com os mediandos. Quem decide atuar nesta
profissão deve estar preparado para desacomodar-se. Quanto mais
conhecedor de si, de suas limitações e de seus pontos cegos, mais
possível será a realização do trabalho em mediação com
eficiência.
Fontes:
ROSENBERG,
Marshall. Comunicação
não-violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e
profissionais. São
Paulo: Ágora, 2006
URY,
William. Como chegar ao
sim com você mesmo.
Rio de Janeiro: Sextante, 2015.
ZIMERMAN,
David E. Fundamentos psicanalíticos. Porto Alegre: Artes Médicas,
1999.