GT Família: Ferramentas para provocar mudanças

Parte do trabalho do GT Família em 2017 foi a apresentação de trabalhos sobre ferramentas em Mediação, com a coordenação do magistrado Roberto Lorea, e a sub coordenação da mediadora Andjanete L.Mess Hashimoto. Os integrantes do GT Aline Leão, Diocélia Teixeira, Leonardo Della Pasqua, Roseli Christ e Suzete C.Leal compartilharam o material utilizado nas apresentações, que foi resumido e compilado pela mediadora Adriana Conter Leite especialmente para o Blog do NEM.


Ferramentas para provocar mudanças

O sucesso na resolução de um conflito está na sua análise sob diversos ângulos, de forma dinâmica e interativa. Olhar o conflito usando diversas lentes que proporcionam uma visão mais abrangente e que abrem novas e efetivas possibilidades de solução.

O conflito é luz e sombra, perigo e oportunidade, estabilidade e mudança, fortaleza ou debilidade, o impulso para avançar e o obstáculo que se opõe. Todos os conflitos contém a semente da criação ou da destruição".

Uma das necessidades básicas do ser humano é o seu reconhecimento como pessoa. O Manual de Mediação Judicial do Conselho Nacional de Justiça recomenda algumas técnicas ao mediador e ao conciliador,  como a utilização de palavras que caracterizem o “mediador como uma figura acessível e próxima das partes”, bem como a adoção de linguagem neutra, como as “expressões com cunho positivo e evitadas aquelas que possam transmitir às partes qualquer sentimento improdutivo” (AZEVEDO, 2013, p. 170). O Manual também dá especial ênfase a comunicação não verbal: o mediador deve se preocupar não apenas com a forma como ele fala, mas também com os outros elementos da comunicação, que podem infundir nas partes sentimentos que alterarão seu comportamento. Um simples gesto em determinado momento pode ser mais aceito que chamar a atenção de uma parte quando ela interrompe a fala do outro mediando.

Dentre várias recomendações, existe ainda o que o Manual de Mediação Judicial denomina de ferramentas para provocar mudanças. Essas ferramentas são extremamente úteis ao procedimento da mediação, dentre as quais destaco:

Recontextualização ou Paráfrase

O mediador reformula a frase sem alterar o sentido original, utilizando vocabulário próprio e neutro, estimulando as partes a perceberem determinado contexto sob outra perspectiva, voltada para a solução. Alguns autores trabalham a paráfrase em conjunto com o resumo de conotação positiva buscando marcar na memória a narrativa positivamente resignificada. Outros trabalham como técnica distinta: a paráfrase como intervenção mais enxuta, voltada a demarcar uma informação mais do que contextualiza-la ou redefinir-la. Recontextualização é técnica segundo a qual o mediador estimula as partes a perceberem determinado contexto fático por outra perspectiva. Dessa maneira, estimula-se a parte a considerar ou entender uma questão, um interesse, um comportamento ou uma situação de forma mais positiva para que assim as partes possam extrair soluções também positivas.

Objetivo / impacto esperado
Se destina a marcar na memória as palavras ditas para que ressoem e provoquem no sujeito a escuta de suas próprias narrativas e, consequentemente, provoque os atores da mediação a refletirem sobre ela. Conforme Tânia Almeida: “Torna memorável o que pode ser efêmero
Parafrasear é também um marcador reflexivo
O Ato precisa ser solene, marcando que algo importante foi dito por alguém. O mediador mostra que está escutando ativamente, mostra que aquilo não passou despercebido. No mínimo, faz um convite para parar e pensar, que pode ser aceito ou não pelos mediandos.
Operacionalização
O mediador representa a fala de quaisquer participantes reafirmando o conteúdo de uma fala (informação subjetiva ou objetiva).
De que forma?
Reproduzindo seu conteúdo com outras palavras de cunho mais positivo sem alterar seu sentido ou significado. Exemplo:
Mediando: “Ele sempre chega atrasado para buscar o menino na escola! Nunca avisa! Não tem
consideração!
Mediador: Você esta dizendo que gostaria que ele, de alguma forma, procurasse por qualquer
forma de comunicação avisá-la dos imprevistos?

Afago (ou reforço positivo)
Consiste em uma resposta / reforço positivo do mediador a um comportamento produtivo das partes ou advogado. É uma espécie de feedback e, portanto, deve conter elementos tangíveis e sinceros.
Objetivos: 
Por meio dessa intervenção o Mediador possibilita que os envolvidos no processo de diálogo identifiquem em uma atitude ou fala, entendidas como negativas, uma motivação/preocupação compreensível, ou, até mesmo, uma intenção positiva. Há também o propósito de ajudar a identificar, em tempo real, interesses, necessidades e valores.
Exemplo:
Mediador: "Percebo o quanto avançamos desde a primeira sessão até aqui, e fico muito feliz que vocês chegaram ao último item da pauta construindo soluções que contemplem a todos".

Silêncio
Muitas vezes, o mediador não compreende que a parte, antes de decidir ou responder a uma questão, necessita ponderar e para tanto se põe em silêncio. Nesses casos o mediador deve considerar o silêncio como necessário ao aprofundamento da resposta, evitando apressar-se em efetuar novas perguntas nesse momento. Na medida certa, o silêncio pode servir como um aliado no aprofundamento das respostas dos mediandos. O silêncio é uma ferramenta magnífica que o leva para a observação.

Dificuldades enfrentadas por alguns mediadores quando iniciam a sua experiência com a autocomposição:
- Compreender que frequentemente as partes têm de ponderar antes de responder e, para
tanto, geralmente, se põem em silêncio.
- Alguns mediadores ficam desconfortáveis com o silêncio. Em função disso, muitas
vezes apresentam novas perguntas ou complementam a pergunta anterior.

Silêncio Objetivo e o Silêncio Subjetivo.
O silêncio pode ser a abstenção de falar ou em sua falta a ausência do ruído. Então, esta diferença indica a existência de dois tipos de silêncios, o silêncio objetivo (que é a ausência de som sem nenhum outro tipo de conotação) e o silêncio subjetivo (que é a pausa reflexiva empregada com o objetivo de acentuar o que foi dito anterior ou posteriormente ao silêncio).

Silêncio de Espera e Silêncio de Trabalho.
O que deve fazer o mediador perante os Silêncios de espera e de trabalho? No caso dos silêncios de espera o mediador intervém com uma pergunta; em caso de silêncio de trabalho, o operador deixa que aconteça, mesmo parecendo muito comprido, para permitir à parte que diga “é tudo “ ou “ já acabei“. Este tipo de realidade no processo requer uma intervenção cuidadosa, pois ali se estabelecem os tempos que precisam os mediandos para expressarem-se e para não sentirem-se invadidos pelo mediador. O mediador não deve ficar envolvido no sistema reativo de comunicação senão tomar ciência que pode aplicar o sistema proativo : entre o estímulo e a resposta há um espaço de liberdade e, que esse espaço deve ser utilizado por uma das ferramentas da comunicação como é o silêncio.
O silêncio que faz o mediador é para não reagir imediatamente senão para fazê-lo conforme aquilo que seja mais conveniente para o processo.

Sessões Privadas ou Individuais
São necessárias para possibilitar a expressão de fortes sentimentos sem aumentar o conflito (principalmente em caso de família) e para eliminar a comunicação improdutiva, esclarecer questões e melhor perceber os interesses. É uma ocasião propícia para aplicar técnicas do afago e inversão de papéis. Merece registro referir-se à imparcialidade do mediador nas sessões privadas, que também contribuem para explorar possíveis desequilíbrios de poder; para trabalhar com táticas e/ou habilidades de negociação dos mediandos; como uma contra-medida a fenômenos psicológicos que impedem o alcance de acordos, tal como reação desvalorizada; para avaliar a durabilidade e viabilidade das propostas e nas situações em que se perceber riscos à ocorrência de atos de violência.

Geração de Opções (brainstorming)
Com essa técnica o que se pretende é formular opções em quantidade, por meio da liberação do pensamento e do estímulo à criatividade das partes. Justamente por isso, tal ferramenta também é conhecida como “tempestade de ideias”. Para que ela seja colocada em prática é importante evidenciar o momento de deixar de lado o passado e colocar ênfase em como proceder no presente para que o futuro se torne melhor. Os critérios sugeridos devem ser objetivos (realidade) e a respeito de: valores econômicos, morais, jurídicos que precisam ser observados na tomada de decisão. Para fins de gerar opções criativas é interessante: - aumentar ou reduzir as permeabilidades das fronteiras para restabelecer o diálogo; - desenhar visões do futuro para compreender as novas situações resultantes de mudanças no ciclo vital.

Formulação de perguntas: 

Na sua opinião, o que poderia funcionar? 
O que você pode fazer para resolver essa questão? 

Saber perguntar é uma das principais ferramentas do mediador conhecedor do valor e da importância das perguntas com objetivo de gerar opções para a solução da controvérsia. Na mediação pergunta‐se apenas o necessário: o que não tem interesse para a mediação, não deve ser perguntado. Neste tipo de trabalho, as sessões individuais são valorizadas como uma oportunidade de trabalhar as ferramentas auto-compositivas com mais profundidade, tendo tempo para pensar com o mediando as opções possíveis para a resolução de seu conflito. Para a mediação familiar no modelo linear é importante ter um espaço em separado, mais neutro, onde pode-se realizar as perguntas necessárias de forma mais aberta e franca, debatendo questões relevantes para aquela situação. As perguntas podem ser fechadas, abertas, lineares, sistêmicas, circulares, autoimplicativas e reflexivas.

Exemplos de perguntas abertas: O que? Quem? Como? Quando? Para que? Onde? Por quê?
Exemplos de perguntas fechadas: Saiu? Voltou? Te encontraste com ele? Queres mantê-lo? Te parece bem?
Exemplos de perguntas para obter informações: Como aconteceu a separação? Como vocês lidaram com a questão da traição? Como vocês costumam resolver estas questões habitualmente?
Exemplos de perguntas buscando a perspectiva do outro: Como imaginas que ela(e) se sinta? Qual pensas que será a reação dos teus familiares? Que desafios tu achas que teus filhos vão ter quando...?
Exemplos de perguntas para provocar reflexões sobre a relação: Como pensas que vocês podem dividir as tarefas se tomarem essa decisão? O que seria necessário para a relação de vocês ficar legal?
Exemplos de perguntas para provocar a imaginação: Supondo que ele aceite que vocês se mudem para Londrina, como tu achas que iria funcionar? Quem o levaria para a creche / colégio? Como pagariam a escola? Exemplos de perguntas para causar questionamento: O que queres dizer com...? Qual seria o modelo ideal de educação para vocês? O que seria possível para ti nesta situação? Exemplos de perguntas de confirmação: Tu vês de outra maneira a situação? Podias vender o carro para pagar a dívida? Para ti, esta seria uma boa opção?

Normalização
O mediador deve ter um discurso voltado para normalizar a situação de controvérsia e estimular as partes a perceber tal conflito com uma oportunidade de melhoria da relação entre eles.
Exemplo: “Sr. Jorge e Sr. Renato, estou percebendo que os dois estão muito aborrecidos com a forma com que aquela conversa sobre orçamento se desenvolveu. Vejo isso como algo comum a duas
pessoas que gostariam de ter bons relacionamentos e que gostariam de adotar soluções justas às
suas questões do dia-a- dia. Vamos então conversar sobre essa questão da comunicação?

Organização das questões de interesse
As partes podem perder o foco da disputa, deixando de lado questões que efetivamente
precisam ser abordadas na mediação. O mediador deve conduzir a sessão estabelecendo uma
relação entre as questões a serem debatidas e os interesses reais. Vale ressaltar que em processos
autocompositivos como a negociação, a mediação e a conciliação, a correta identificação de
interesses reais consiste em parte fundamental do trabalho do mediador.

Enfoque prospectivo
É o enfoque voltado para o futuro, com base nos interesses reais. Muito importante nas relações continuadas.

Validação de sentimentos
Consiste em identificar sentimentos que a parte desenvolveu em decorrência da relação e abordá-los como uma consequência natural. Não se trata de afirmar que a parte está correta na sua manifestação ou conduta anterior, mas sim de demonstrar que o mediador percebeu esse sentimento como algo importante a ser valorizado. Ex: Acabo de ouvir que o senhor ficou bastante irritado (sentimento) com o fato... Se o sentimento for comum, poderá ser validado em sessão conjunta. Caso contrário, é mais adequado validar o sentimento individual na sessão privada.
O que significa validar um sentimento? A validação de sentimentos consiste em inicialmente aceitar que alguém tenha determinado sentimento.Em seguida, busca-se compreender a causa do sentimento – em regra, os interesses reais (examinados logo em seguida). Validar significa reconhecer a individualidade das partes e indicar que estas são apreciadas na mediação. Os sentimentos revelam-se a todo instante na mediação, seja por meio de algo que foi dito ou ainda por gestos, posturas, comportamentos, expressões faciais ou tom de voz. Ao identificar e reforçar positivamente os sentimentos, o mediador cria um elo com a parte, o que facilita o estabelecimento de uma relação de confiança. Validar um sentimento significa demonstrar para alguém que você identificou e reconheceu um determinado sentimento manifestado.
"João, me pareceu que você ficou um pouco triste quando tocou no assunto
da mudança...”
“Ana, quando você falou sobre o seu filho eu notei que você ficou muito emocionada...”
“Vi que você fica muito agitada quando falamos sobre isso, me parece que isso é
realmente muito importante para você...”

Também notamos que não houve qualquer emissão de juízo de valor sobre o que identificamos. Não concordamos nem discordamos, apenas observamos e verbalizamos. Uma pessoa, ao ter seus sentimentos validados, se sente efetivamente ouvida e compreendida. A manifestação do sentimento e essa sensação de compreensão evocam sentimentos de alívio, conforto e confiança, ajudando a criar um ambiente mais receptivo e colaborativo.Posturas agressivas ou defensivas tendem a ser amenizadas. Sentir-se compreendida e respeitada em suas percepções e sentimentos permite que a pessoa sinta-se mais segura e confiante. O que de fato importa é o fato de que o sentimento demonstrado é importante para aquela pessoa.

Temos mais liberdade para validar sentimentos em uma sessão individual, pois temos um ambiente com mais privacidade e um contato mais direto e particular com a parte. Podemos, no entanto, validar, em sessão conjunta, sentimentos comuns a ambos. Se todos demostrarem determinado sentimento, é interessante que o validemos na presença de todos. Essa validação de sentimentos que sejam comuns aos dois traz a percepção de conjunto, de identidade, ajudando as partes a perceberem o conflito como algo que afeta a ambos. Tal percepção ajuda as partes a perceberem a necessidade de encontrarem, juntas, uma solução para o problema que as afeta. Devemos identificar o sentimento manifestado pela pessoa e, em momento oportuno, comentarmos com a pessoa que notamos aquele sentimento. Recomenda-se também a conexão entre esse sentimento identificado e um interesse
diretamente ligado a esse sentimento. Essa estratégia tem a vantagem de recontextualizar a percepção daquele sentimento, o utilizando para dar enfoque prospectivo ao conflito. A recontextualização modifica o foco do conflito, o tirando da briga e o trazendo para a vontade de restabelecer o diálogo.
Trata-se de técnica que deve ser utilizada de maneira consciente e tranquila, respeitando-se a dinâmica do caso e a particularidade de cada situação. Há em cada um de nós uma biologia do amor que pede para ser acionada, que deseja uma condição favorável para emergir e expressar-se. Render-se ou não render-se a biologia do amor, pode ser um desafio importante para a condição humana.

Referências

BRASIL. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Azevedo, André Gomma de (Org.). Manual de Mediação Judicial - 6ª Edição (Brasília/DF:CNJ), 2016.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA BAHIA. Manual de Conciliação e Mediação Conflitos. <http://www5.tjba.jus.br/conciliacao/images/MdCcAp.pdf>. Acesso em 12/12/2017.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL. Manual do Curso de Mediação Cível. 

ALMEIDA, Tânia. Caixa de Ferramentas em Mediação: aportes práticos e teóricos. São
Paulo: Dash, 2013.

GHISLENI, Ana Carolina e SPENGLER, Fabiana Marion. Mediação de Conflitos a partir do direito fraterno. Santa Cruz do Sul : EDUNISC, 2011

GARRID, Miguel Armando. O Valor do silêncio no Processo de Mediação – Um meio para a paz [tradução Patricia Viviana Salmón]. . Acesso em 12/12/2017.

ROSEMBERG, Marshall B. Comunicação não-violenta: técnicas para aprimorar
relacionamentos pessoais e profissionais [tradução Mário Vilela]. São Paulo: Ágora, 2006.