NEM Memória: Homenagem ao Dr. Roberto Arriada Lorea

      O  NEM, como espaço de estudo, reflexão e difusão da mediação, tem procurado, através do NEM MEMÓRIA, resgatar  um pouco do muito do que homens e mulheres do Rio Grande do Sul, magistrados, servidores, advogados, profissionais de diferentes áreas, mesmo antes da Resolução 125 ou logo após a mesma, fizeram, de forma eficaz e entusiasmada em prol da mediação.

É fácil falar em mediação quando há uma lei e um novo Código de Processo Civil que colocam, expressamente, a prevalência dos métodos  de solução consensual de conflitos. Porém, antes disso, muitos foram os atos, falas e, até mesmo, decepções. Por isso, rendam-se homenagens àqueles que acreditaram antes de ver efetivado o sonho.

O nosso homenageado, Dr. Roberto Arriada Lorea, participou dos primeiros cursos realizados pela Corregedoria Geral da Justiça do Poder Judiciário do Rio Grande do Sul e  pelo  CNJ  sobre mediação. Tive o privilégio de compartilhar com ele mesas de diálogo, em que parecíamos apenas sonhadores. Mas, o Dr. Lorea não se abateu diante das dificuldades e seguiu em frente, levando a mediação para diferentes espaços em que teve oportunidade de atuar. E, assim, tornou possível  um plano piloto de mediação familiar no Foro do Partenon.

Por seu dinamismo, por sua dedicação à mediação, por seu  testemunho de coleguismo, solidariedade, eficiência e por não desistir de contribuir em prol de relações mais plenas e humanas, fica a homenagem do NEM.

Um fraterno abraço,
Genacéia da Silva Alberton
Coordenadora do Núcleo de Estudos de Mediação (NEM )

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Depoimento

Dr. Roberto por Manuela Mallmann
Advogada, Mediadora, Instrutora pelo TJ/RS e integrante do NEM

"Impossível falar no Dr. Lorea e não pensar em intensidade. Um ser humano movido pelo conhecimento e  pelo aprimoramento. Participativo, não se satisfaz apenas em cumprir com as atividades inerentes à sua profissão, que desenvolve com primor, mas está sempre disposto a contribuir para um Judiciário mais humano. Um líder inovador, capaz de muito bem gerir qualquer projeto posto a sua frente e de surpreender, trazendo sucesso e solidez ao trabalho desempenhado. Sou muito grata a ele pela confiança depositada quando a experiência pouco existia. Pela inspiração. Pelo incentivo. Pela amizade."


Entrevista
Com a palavra, Dr. Roberto Arriada Lorea


Por Aline Leão
Mediadora e integrante do NEM

     
Fonte: http://www.ajuris.org.br/
Como foi a sua escolha pela magistratura e como a mediação passou a fazer parte da sua carreira? 

Terminei a graduação em 1988, ano em que foi promulgada a Constituição Cidadã. No ano seguinte tivemos eleições diretas. Muitos de nós sonhávamos com mudanças sociais e a magistratura tinha uma papel relevante nessa mudança. No plano pessoal, a perspectiva de uma carreira com independência financeira e funcional também era atraente. Ao longo da minha trajetória na magistratura, embora sempre tenha buscado a simplicidade no trato com partes e advogados, não tinha ideia do que fosse mediação, enquanto técnica possível de ser empregada na jurisdição.Meu contato com a mediação só aconteceu em 2009 quando um amigo, o juiz Clóvis Mattana Ramos, falou sobre um curso que ele tinha feito. Ele me disse algo como "tens que fazer esse curso". Fiz no mesmo ano, aqui em Porto Alegre, com o André Gomma e o Roberto Bacellar e fiquei muito empolgado com o que aprendi. Em seguida conheci o Núcleo de Mediação da Escola da Magistratura, sob a coordenação da Desembargadora Genacéia Alberton, cujo entusiasmo pela mediação é contagiante. A partir de então, embora como juiz eu não fizesse mediação propriamente, pois mantinha o poder de decidir (que o mediador não pode ter), logo percebi que as ferramentas da mediação podiam ser aproveitadas pelo juiz para facilitar o diálogo entre as partes e com as partes, especialmente na área de família. Também constatei que o maior beneficiário disso fui eu mesmo, pois no fim de uma tarde de audiências me via bem menos estressado. A partir de então me envolvi em várias iniciativas visando difundir a mediação judicial.


Fonte: http://cjmf-blog.blogspot.com.br/
Em 2009, o senhor participou de uma iniciativa pioneira no país implementando e coordenando a Central Judicial de Mediação​ que funcionava no prédio do Instituto de Previdência do Estado,​ em Porto Alegre. ​Como surgiu e se desenvolveu esta ideia? Quais foram os​ desafios de trabalhar com mediação na época?


Essa iniciativa foi resultado direto de um segundo curso que fiz com o Gomma e o Bacellar, em Brasília, Após o curso, tínhamos que submeter um trabalho para que pudessem avaliar nosso aprendizado.Estava tão empolgado que decidi apresentar um paper que, de fato, era um projeto de criação de um Centro de Mediação Judicial no TJRS. Naquele momento o projeto era ousado, porque ainda não existia a Resolução nº 125 do CNJ, significando que ainda não havia qualquer previsão quanto ao procedimento da mediação no âmbito jurisdicional. Isso exigia inovar no trato de diversas questões relevantes para que o termo de mediação pudesse ser homologado e valer como título executivo. Por exemplo, se houvesse um conflito de família para mediar, quem seriam o Promotor de Justiça e o Defensor Público que iriam atuar junto à Central de Mediação Judicial? Tivemos inúmeras reuniões e, felizmente, muitas pessoas se mostraram dispostas a colaborar para o sucesso dessa iniciativa. Dois colegas em especial me vem à lembrança. O próprio Clóvis Mattana, que então atuava na Corregedoria e fez de tudo para agilizar a instalação da Central. Sem esse apoio não teria sido possível, pois havia muitos obstáculos, mesmo de ordem material (espaço físico, mobiliário, telefone) e pessoal, com designação de servidor. Outro colega que desde o início se juntou ao projeto foi o Eugênio Terra, parceiro de trabalho nos Direitos Humanos da AJURIS, e foi incansável na articulação de soluções para viabilizar o projeto. Hoje pode até soar estranho, mas não havia consenso sobre mediação no âmbito do Judiciário e algumas pessoas se opunham a essa possibilidade. Incrivelmente, graças a esse esforço coletivo e à sensibilidade do então Corregedor-Geral, Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos, a Central Judicial de Mediação foi instalada no 8º andar do prédio do IPE, em 1º/09/2009.




O​utra iniciativa pioneira foi a implantação do​ Centro Judiciário de Mediação Familiar ​n​o Foro Regional do Partenon​, ​o primeiro a ser instalado em nosso Estado.​ Como foi construído esse projeto?


Centro Judiciário de Mediação Familiar no Foro Partenon 
Solenidade de instalação, em 24/10/2013
 Fonte: http://cjmf-blog.blogspot.com.br/
Depois do projeto da Central de Mediação Judicial, atuei por alguns anos no Juizado da Violência Doméstica, cuja Lei Maria da Penha propõe uma abordagem interdisciplinar dos conflitos. Minha incursão na Antropologia Social, tendo feito mestrado e doutorado na UFRGS, facilitou essa abordagem. Eu seguia aplicando algumas técnicas de mediação em audiência, amadurecendo a ideia de fazer algo em termos de mediação. Nesse período me dediquei a estudar o tema da mediação familiar. 
Havia uma dificuldade de implementar algo no JVDFM em face da grande controvérsia sobre a possibilidade de mediar conflitos em que haja violência. É um outro campo, com outro nível de exigência que eu não dispunha na época. Em 2012, surgiu a oportunidade para atuar na Vara de Família do Foro do Partenon. reclassifiquei já pensando em criar o Centro Judiciário de Mediação Familiar. Tanto assim que em menos de trinta dias, juntamente com a professora Simone Cardoso (hoje na UFRGS), submeti um projeto ao TJRS. Novamente, houve um enorme esforço coletivo para implementar um procedimento de mediação judicial.  Essa iniciativa contou com o apoio irrestrito do Ministério Público, por meio da Dra. Patrícia Cunha e da Defensoria Pública, na pessoa da Dra. Cassandra Halpern. Nesse momento, já havia o estímulo por parte do CNJ, cuja Resolução 125/2010 regulamentava as linhas gerais da mediação judicial, já amplamente difundida em iniciativas de vários Tribunais do país. O aprendizado anterior foi muito útil, possibilitando antecipar algumas dificuldades como o fato de que os mediadores teriam que ser voluntários não remunerados, com disponibilidade de tempo para a formação e atuação. A proposta era criar não apenas um espaço de mediação familiar, mas sim um ambiente de formação em mediação familiar, que pudesse servir de laboratório, tornando-se referência e difundir a mediação familiar para todo o estado. O Tribunal de Justiça, especialmente na pessoa da Desembargadora Vanderlei Kubiak, coordenadora do NUPEMEC e do Desembargador Guinther Spode, vice-presidente, acolheram a proposta e o Centro Judiciário de Mediação Familiar, CJMF, o qual, após 18 meses de tramitação do projeto, foi instalado no Foro do Partenon. O trabalho foi desenvolvido por uma equipe de mediadores qualificados e comprometidos com a causa, cujo espírito do grupo pode ser sintetizado na pessoa da Dra. Manuela Scalco Mallmann e nas servidoras Paula Mallet e Renata Barcellos. Construímos uma equipe apta a cumprir os objetivos do projeto, o que se refletiu nos dados do primeiro relatório, cujos resultados superaram a expectativa, na perspectiva quantitativa e qualitativa, revelando enorme aprovação do serviço pelos seus usuários.

Equipe do Centro Judiciário de Mediação Familiar
Foro Partenon na solenidade de instalação, em 24/10/2013 -  Fonte: http://cjmf-blog.blogspot.com.br/2013/12/equipe.html

Você poderia nos contar uma história que pessoalmente lhe marcou envolvendo o trabalho com mediação?


Após vários anos dedicados ao tema, na coordenação do CJMF pude ver esse ideal se tornar realidade. A mediação privada, especialmente em matéria de família, já existia bem antes de eu ingressar nesse campo, então, se tive algum mérito, foi o de reunir pessoas que acreditavam na possibilidade de mediar judicial. Esse foi o grande desafio, introduzir o procedimento de mediação no processo tradicional, sem violar as normas processuais. Nas reuniões compartilhamos dezenas de situações que nos informavam do sucesso das práticas. Isso era muito estimulante. Mesmo quando as partes não chegavam a um acordo, muitas faziam questão de elogiar o trabalho e reconhecer o quanto tinha significado aquela oportunidade de dialogar de forma produtiva sobre seus conflitos. Em algumas situações nas quais as partes não chegavam a um acordo, o processo seguia seu curso, com a audiência de conciliação comigo e, muitas vezes, chegavam a um acordo nesse momento, mas ficava evidente que o acordo era o fruto das reflexões oportunizadas na mediação.
"É necessário que haja uma transformação na cultura jurídica, para que as novas gerações deixem o curso de graduação capacitadas a atuar com métodos autocompositivos"
Como você analisa o desenvolvimento da política pública trazida pela Resolução 125/10 do CNJ no Brasil e no RS, passados cinco anos da sua instituição?


O CNJ cumpre papel fundamental na difusão de políticas públicas. Compreendi isso quando atuei na violência doméstica. Teria sido impossível que os Tribunais, por sua iniciativa, conseguissem o que já se implementou. Do mesmo modo, a Resolução 125 é o marco inicial da mediação judicial, em termos nacionais. Contudo, ao mesmo tempo, com os regramentos, surgem os entraves burocráticos. Isso fica evidente quando recordo que levamos apenas algumas semanas para instalar a Central Judicial de Mediação, mas precisamos de 18 meses para instalar o CJMF no Partenon. Será necessário um ponto de equilíbrio entre regulamentação e engessamento do sistema de mediação judicial. Novamente, penso que a experiência na violência doméstica foi muito útil, pois não acredito que se deva impor procedimentos rígidos, a serem seguidos de Norte a Sul do país. É preciso um grau de flexibilidade para que os potenciais regionais e locais possam ser aproveitados à luz de iniciativas que contemplem essa riqueza. Aqui é uma parceria com um núcleo de mediação de uma Faculdade, lá, uma parceria com alguma ONG que já tem atuação nessa área. Há uma dificuldade em mesclar a rigidez do processo tradicional à informalidade por vezes útil às práticas autocompositivas. Uma questão central são os mediadores. Inicialmente, exigia-se que mesmo um mediador já experiente na iniciativa privada fizesse o curso do TJ e atuasse como voluntário por dois anos. O problema é que as pessoas que tem esse perfil não dispõe de tempo para participar do curso e atuar como voluntários por tanto tempo. Outro obstáculo é que os graduandos não podem atuar como mediadores, o que dificulta o ingresso da mediação nos cursos de graduação, espaço que deveria ser o locus da mudança de paradigma que o CNJ deseja. Entretanto, se persistir essa barreira, continuaremos esperando que o profissional seja formado no modelo adversarial para, só depois, propormos que atue num modelo autocompositivo de solução de conflitos. Isso não faz sentido. Esse tem sido o problema em relação à advocacia. Isso fica evidente em sala de audiência, quando as próprias partes, muitas vezes orientadas a tanto, atuam para impressionar o juiz com a depreciação da outra parte. A mediação consegue alterar essa dinâmica, colaborando para que, mesmo em situações adversas, as partes consigam ver e expressar as qualidades do outro, o qual geralmente é o pai ou mãe de seus filhos. Essa linha de diálogo que não exclui a crítica, mas inclui o respeito mútuo, reforçando aspectos positivos, faz enorme diferença para uma solução efetiva dos conflitos, notadamente nas relações duradouras, como tendem a ser as relações familiares.É necessário que haja uma transformação na cultura jurídica, para que as novas gerações deixem o curso de graduação capacitadas a atuar com métodos autocompositivos. Há boas iniciativas, como a Casa de Mediação da OAB-RS, coordenada pelo Dr. Ricardo Dornelles. No âmbito da magistratura, o curso para os novos juízes incluiu esse tema. Acredito que a estrutura ainda é pequena mas, considerando o tempo e investimento necessários à formação dos mediadores, estamos melhorando. Certamente a remuneração dos mediadores, aliada às alterações do CPC que irão fomentar a mediação judicial, irá acelerar esse processo. Outro ponto relevante é a construção de um ambiente de reflexão em nível nacional, a formação do campo da mediação no meio jurídico. Para tanto cheguei a propor a criação do FONAMEJ, Forum Nacional de Mediação Judicial, cuja estruturação pode acelerar a troca de experiências, facilitando muito o aproveitamento de iniciativas cujos resultados assim recomendarem. Pensei algo diferente dos modelos atuais de Fóruns judiciais, cuja busca por enunciados vejo como prejudicial a uma reflexão qualificada. Minha proposta tem inspiração acadêmica e não está comprometida com a produção de enunciados, os quais em grande medida surgem de forma precipitada e não refletem qualquer consenso aprofundado. Uma iniciativa dessa envergadura só pode ser alcançado sob a coordenação do CNJ.


Parceria com a Uniritter firmada em 2014

O senhor também trabalhou em um projeto de assistência judiciária desenvolvido através da parceria TJ-RS e Uniritter. Na sua compreensão, qual a importância destas parcerias para o sucesso da política pública e para a qualificação do ​acesso à justiça?

Quanto atuei na supervisão do Foro do Partenon, havia espaço ocioso no andar térreo onde se poderia disponibilizar um serviço de assistência judiciária gratuita para a comunidade. Contatei algumas Faculdades de Direito e a Uniritter se propôs a assumir o espaço, pagando pelas despesas inerentes à sua metragem e providenciando toda a logística material (mobiliário e computadores) além de professores, estudantes e advogados para realizar os atendimentos à população. Acredito que a parceria com instituições de ensino gera excelentes frutos para todos os envolvidos. 
A presença da Faculdade dentro do Foro abre inúmeras possibilidades, ainda pouco exploradas. A exemplo do que acontece no curso de medicina, poderiam os alunos de Direito realizar as práticas dentro do sistema de justiça, circulando da Defensoria Pública, Ministério Público e Judiciário. Seria uma oportunidade para os estudantes conhecerem os bastidores dessas instituições e aprenderem como funcionam. Pode ser um período para desconstruir alguns mitos e também para aguçar o senso crítico. Em contrapartida, essas instituições podem se beneficiar com mão-de-obra voluntária, suprindo a enorme carência hoje existente. Também no âmbito da mediação, poderiam ser formadas turmas direcionadas para a Faculdade de Direito ou outros cursos, em nível de pós-graduação, contribuindo para disseminar a cultura dos métodos autocompositivos de solução de conflitos. Há, também, um contingente de graduados em Direito que se preparam para concursos e necessitam comprovar a prática jurídica por três anos. São muitas possibilidades que se apresentam, ao menos nas cidades que contam com Faculdade.


O N​ovo Código de Processo Civil, ​cuja vigência inicia-se a partir de 2016​,​ ​está trazendo inúmeras inovações procedimentais que​ não só​ acolhem as práticas autocompositivas​ como as coloca como prioritárias​​. Recentemente​ foi aprovado o Marco Legal da Mediação. Fr​ente a esta nova legislação, e, ainda, frente a este novo paradigma procedimental e cultural, na sua opinião, quais os principais desafios a serem enfrentados pelo Poder Judiciário, ​​comunidade jurídica e ​sociedade​?​

Como toda mudança na cultura jurídica, para além do investimento necessário, o principal desafio será formar profissionais que atuem para solucionar conflitos preocupados em preservar relacionamentos, buscando minimizar o impacto da solução judicial sobre as pessoas que buscam o Judiciário. Não basta formar o advogado para "ganhar a causa" ou o juiz para "terminar o processo", o novo paradigma impõe a formação de profissionais que estejam preparados para atuar na preservação dos laços familiares, reduzindo o impacto judicial. Na mediação, busca-se que as pessoas deixem o Judiciário se sentindo melhores do que chegaram. Por isso é inerente à mediação judicial que o serviço seja avaliado pelos usuários.​